10 de setembro de 2010

Pôrto

Em pleno centro histórico, em zona dita Património da Humanidade, a 6 metros da Sé Catedral do Porto, o turista ou visitante ocasional depara-se com uma situação insólita: uma estátua colocada de castigo virada para a parede.

A dúvida que assalta quem a vê é: porque permitiram que se fizesse um edifício novo e com materiais modernos tapando a estátua? Nós, portuenses, temos de explicar, um bocado envergonhados, é certo, a coisa: o edifício foi mandado fazer sem qualquer fim em vista, custou quase um milhão de euros, está abandonado há anos e não serve para coisa nenhuma. Ah, e a estátua foi ali colocada propositadamente.


Como se pode constatar, não se trata de «efeito visual», está mesmo encostada ao edifício.

Fernando Távora entendeu que a construção do edífício implicava que lhe fosse associado uma «representação da cidade» tendo-se lembrado então do Velho Pôrto, estátua que repousava até então semi-abandonada nos Jardins do Palácio de Cristal. E era sua intenção que o visitante visualizasse por detrás do «Pôrto» outro símbolo da cidade, a Torres dos Clérigos. Na verdade, a dita «simbologia» seria apenas desfrutada e poderia adquirir algum significado por alguém dentro do edifício, o que se veio a revelar não apenas impossível, dada a sua inutilidade, como esqueceu-se de um pormenor, que será antes um pormaior: a simbologia negativa, involuntária certamente, que transmite a quem vê de fora (ou seja, toda a gente...).

«....a Estátua do Porto, de frente para o vidro - sempre sujo - e de costas para a Cidade» - Joge Portojo

Mas, e a estátua tem algum significado especial? Sim, e bastante grande.

Pelos finais do século XII existia numas casas na rua das Eiras, junto à Sé, uma pedra, popularmente chamada de «Pedra do Porto» e que representava uma figura humana segurando na mão uma haste ou lança. Em 1503 estava a estátua já colocada sobre o portal dos açougues da cidade, que se situavam no actual Largo Dr. Pedro Vitorino, em frente à Sé, ali permanecendo até cerca de 1850 quando se derrubaram vários edifícios e se criou o acima designado largo, não se sabendo do que dela foi feito.(1)

Em 1818 a vereação municipal encomendou ao mestre pedreiro João da Silva uma «figura em pedra representando o Porto, para ser prostada no cume da casa do Passo do Concelho sito na Praça Nova», no antigo Palácio Moreira Pereira.  Torna-se evidente portanto que a dita antiga estátua adquirira o valor simbólico de representação da cidade, como se deduz da nota de encomenda de uma sua nova versão. A estátua do Pôrto ali permaneceu, encimando os Passos do Concelho durante quase 100 anos, até 1916 quando se deu início à demolição do edifício para abertura da actual avenida dos Aliados, tendo a Câmara sido transferida pouco antes para o Palácio Episcopal, junto à Sé Catedral.

Depois de apeada do cima do edifício da Câmara Municipal, repousou largos ano no jardim do Largo Actor Dias, junto ao Governo Civil. Mais tarde foi enviada para os Jardins do Palácio de Cristal. E finalmente o arquitecto Fernando Távora, em má hora, lembrou-se de dali a retirar e colocá-la «de castigo» junto à Sé.





Casa da Câmara, por Joaquim Villanova, 1833



Esta estátua representa um soldado, com trajes romanizados, segurando na mão direita uma lança, e na mão esquerda um escudo com as antigas armas da cidade. Na cabeça, tem um elmo encimado por um dragão.




A sua imagem foi por muitas vezes usada como símbolo da cidade, tal como no exemplo abaixo,  das vinhetas da Exposição Colonial de 1934. Ou como capa permanente da revista «O Tripeiro» durante um longo período na década de 80 do séc. XX.


Julgo que seria mais do que tempo de voltar a dar a devida dignidade a tão simbólica e centenária estátua representativa da cidade, tirando-a do «castigo» indigno de onde se encontra e colocando-a, se não em frente aos actuais Paços do Concelho, pelo menos em local mais adequado e nobre.



(1) in Do «Porto» velho ao «Porto» Novo, por José Ferreira Afonso, Boletim da APHA (Associação Portuguesa de Historiadores de Arte), nº1, Dezembro de 2003, São Mamede de Infesta;



18 comentários:

Unknown disse...

Bora Porto, sai de detrás do mamarracho.
Arq, há muitos, Portos há poucos.

Belinha Fernandes disse...

!! Em Junho, andei por ali a fotografar e reparei nisso mesmo! Nem consegui ver nem fotografar a estátua decentemente!E nem sabia que era tão simbólica!Mas que disparate!Espero que alguém resolva isso!

Anónimo disse...

esta estátua esta sempre em contra mão!
Esteve juntoàs muralhas, no Palácio, e agora na Casa dos Doze.
Um dia vai ter a dignidade que merece

Anónimo disse...

Grato pela reportagem !
Como portuense estou agradecido pelas fotos e pela revolta contra este trato infamante a uma imagem que deveria estar num local central. Por exemplo, substituindo o sr. Garrett em frente da Câmara ou no lugar do imperador do Brasil (o usurpador Pedro IV de Portugal).

Anónimo disse...

Caro
O Torre não se encontra ao abandono, cá estamos a trabalhar no turismo....a estátua está muito bem onde está...
Mas também já deviamos saber que perguntar a um historiador de Arte por Arquitectura é um besteira....

Unknown disse...

Este último comentário do Anónimo deixou-me aterrorizado. Será que poderia, ou alguém por ele, traduzir para PORTUENSE ?

Anónimo disse...

Carago... Aquilo está uma....tão, tão.... que não há comentário possível, senão bota abaixo!!!

Anónimo disse...

Quando a demência leva a praticar atos criminosos, há sempre alguém, no seu juízo perfeito, que oportunamente impede tal intento lesivo. Neste caso será que estamos perante uma demência coletiva?
[Carlos Lemos]

Sousa Pereira disse...

De facto, arquitectos como o Mestre Fernando Távora, não há, infelizmente, muitos!!!Quanto à localização e importância simbólica da referida estátua, todas as opiniões são aceitáveis, mas não passam de opiniões... Seria mais interessante opinar, por exemplo, sobre o que foi, CRIMINOSAMENTE,feito à Estátua equestre do D.João VI que está no "Castelo do Queijo" de autoria do Mestre Barata Feyo, que foi reduzida à qualidade de "biblot" quando destroiram a "peanha" de autoria do Mestre Carlos Ramos para lá porem uma "prateleira". E o Crime que estão a praticar com a "Menina nua" da Avenida que deveria ser guardada num museu e em seu lugar deveriam pôr uma cópia em mármore ou mesmo bronze; é que qualquer dia, com as "chuvas acidas", as pombas o CO2 do transito intenso que por ali passa, não haverá "menina" para ninguém !!Seria bom que as pessoas falassem do que sabem! Manuel Sousa Pereira, Escultor.

Sousa Pereira disse...

De facto, arquitectos como o Mestre Fernando Távora, não há, infelizmente, muitos!!!Quanto à localização e importância simbólica da referida estátua, todas as opiniões são aceitáveis, mas não passam de opiniões... Seria mais interessante opinar, por exemplo, sobre o que foi, CRIMINOSAMENTE,feito à Estátua equestre do D.João VI que está no "Castelo do Queijo" de autoria do Mestre Barata Feyo, que foi reduzida à qualidade de "biblot" quando destroiram a "peanha" de autoria do Mestre Carlos Ramos para lá porem uma "prateleira". E o Crime que estão a praticar com a "Menina nua" da Avenida que deveria ser guardada num museu e em seu lugar deveriam pôr uma cópia em mármore ou mesmo bronze; é que qualquer dia, com as "chuvas acidas", as pombas o CO2 do transito intenso que por ali passa, não haverá "menina" para ninguém !!Seria bom que as pessoas falassem do que sabem! Manuel Sousa Pereira, Escultor.

Anónimo disse...

A colocação da estátua naquela posição bem parece como antigamente os professores colocavam os meninos de castigo de pé a olhar para o quadro.
Se isso tivesse sido feito por um arquiteto de média craveira, ai,ai,ai... Assim como foi por um batente da arte teremos de aceitar as justificações que na altura fez?!...

Francisco Pinto disse...

Sou Portuense, e já algum tempo que faço pesquisa sobre a referida estatua “O Porto”
Ao passar por este Blogue vi que não era o único com o mesmo interesse na imponente e digna estatua, que tal como escreve em 1818 a vereação municipal encomendou ao mestre pedreiro João da Silva e este ao seu autor o escultor, João Joaquim de Sousa Alão.
Concordo com tudo o que diz no texto, é sem qualquer dúvida um símbolo que nos representou e que tem tudo para nos representar e não se trata de uma mera opinião, constata-se os factos que refere e outros que merecem ser referidos, como, um dos clubes de futebol desta cidade ter como mascote um Dragão…
Não acuso o Mestre Fernando Távora por pedir a colocação da estátua onde esta se encontra, mas acuso quem o concedeu, assim como comenta o Escultor, Manuel Sousa Pereira, acuso as muitas barbaridades que se fazem na nossa cidade.
Os meus parabéns, pelo Blogue
Francisco Pinto

Renato Cerqueira disse...

Eu como cidadão nasçido e criado na Cidade Porto deixo aqui uma Sujeitão porqu não fazem um Publicidade no Site do Facebook para que tem direito e responsabilidades que ponha o Porto num lugar onde toda a gente o posso ver sejam estrangeiros sejam portugueses á tantos lugares mesmo até em frente a antiga Cadeira no largo ficaria bem em virtude de ter muito movinto turistico vamso tod/as a Poiar esta minha Ideia no facebook

Renato Cerqueira disse...

Retificação Escrevi no comentário anterior CADEIRA e não era mas sim ANTIGA CADEIA DA RELAÇÃO assim é que está correcto

Renato Cerqueira disse...

MEU comentario é os dois anteriores esqueçi-do BLOG

Renato Cerqueira disse...

MAS este esqueçimento do blog..Desculpem

Manuel Santos disse...

A estátua "O Porto" já não se encontra no local onde estava junto à Sé do Porto. Desde meados deste anos (2013), foi colocada na Praça da Liberdade, no passeio junto ao Banco de Portugal, ignoro se a título definitivo. Em grau de visibilidade, é equivalente ou menor do que a estátua do "Ardina" no polo oposto da Praça. Algumas estátuas estão desajustadas ao local: Um exemplo: Na Praça do General Humberto Delgado, junto à Câmara, está a da Almeida Garrett, enquando na praça com este nome, junto à estação de S.Bento, não há nenhuma. Existem vários casos como este.

Unknown disse...

Apenas uma correcção, o nome do palácio onde foi o Passo do Concelho, chamava-se Palácio Monteiro Moreira e não Moreira Pereira, como se refere no texto.